É autor de doze livrose mais de 70 artigos científicos publicados em revistas brasileiras e estrangeiras. Durante um período de pós-doutorado na Universidad de Sevilla, na Espanha, Christofoletti escreveu o livro que acaba de lançar: A crise do jornalismo tem solução? (104 páginas, ed. Estação das Letras e Cores).
A obra é o terceiro volume da coleção Interrogações, dirigida pela professora e pesquisadora Lucia Santaella. Por email, Rogério concedeu uma entrevista ao jornalista Pedro Varoni, publicada abaixo. O pesquisador procura pensar a crise do jornalismo num contexto global como multidimensional, dinâmica e complexa, mas com particularidades no caso brasileiro.
Rogério também falou da importância do jornalismo local para as democracias. Como todo processo disruptivo, há também novidades no cenário, com iniciativas que apontam para novas formas de fazer jornalismo.
: Começamos pela pergunta-título de seu novo livro: a crise do jornalismo tem solução?
É claro que um título como este gera uma expectativa tremenda sobre o que o leitor vai encontrar nas próximas páginas. Estamos diante de uma realidade: o jornalismo já não é mais o que era antigamente e as pessoas e as sociedades se relacionam de forma distinta hoje, muitas vezes abrindo mão do jornalismo para isso. O que fazer? Como lidar com essas novas bases de mediação social? Como manter os provedores de informação jornalística quando muitas pessoas se acostumaram a consumir bens simbólicos aparentemente de graça? Como manter o jornalismo num tempo em que outros canais oferecem informações que aparentemente podem substituir o noticiário convencional?
As perguntas são muitas, e consequência direta da gravidade da situação. O jornalismo está em uma crise diferente de todas as que já teve. Não é só financeira, mas política, ética, de credibilidade, de governança. É uma crise multidimensional e eu trato dela desta forma no livro. Mas é importante ter em mente que não se pode resolver um problema tão complexo assim com uma bala de prata, com uma tacada perfeita. A crise afeta profissionais, públicos e organizações de forma distinta, inclusive porque tem escalas distintas. Um pequeno jornal do interior é afetado pela crise de um modo e não pode responder a ela como um New York Times. A crise é frenética, dinâmica e complexa. Enfrentá-la é urgente. Estamos não só falando de uma indústria de bilhões, mas também de um mercado de trabalho de milhões de pessoas, de uma atividade social que cumpria uma função única e de um importante escudo da democracia, da cidadania e da civilização.
O título do livro gera uma expectativa enorme e sei que um volume de cento e poucas páginas não soluciona a crise. Aliás, o livro nem se propõe a isso, afinal o título não é “Qual é a solução para a crise do jornalismo?”. Eu arrisco algumas saídas, claro, e discuto-as dentro dos contextos em que elas se apresentam. Mas meu livro é, acima de tudo, um convite para discutirmos a crise do jornalismo. Não apenas para jornalistas, mas todas as pessoas, pois este é um assunto que deve preocupar a todo o mundo, já que somos todos afetados pelas notícias.
P; Seu livro é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado na Universidad de Sevilla, na Espanha. Qual era a proposta da pesquisa e como você avalia seus resultados?
Na verdade, o livro não é resultado do pós-doutorado, mas foi mais uma tarefa que cumpri durante minha estada em Sevilha. Foi um convite da professora Lucia Santaella, da PUC-SP, que coordena a coleção Interrogações, da Editora Estação das Letras e Cores. A Lucia me chamou porque havia lido alguns textos meus sobre o tema. A crise do jornalismo é um assunto que me interessa há algum tempo e tenho discutido isso dentro do projeto GPSJor, que investiga bases para a implantação de um jornalismo de novo tipo na cidade de Joinville (SC).
Desde 2016, estamos trabalhando nisso e, para propor novos caminhos para o jornalismo, não poderíamos deixar de discutir a crise do setor.
O livro que está sendo lançado agora não é resultado do GPSJor. É uma visão mais pessoal da crise, mas claro que estou influenciado com o que discutimos lá e no Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), que ajudo a coordenar na UFSC.
O desafio que Lucia Santaella me propôs foi escrever um livro curto, dirigido ao grande público, que tratasse da crise do jornalismo com um tom questionador. Eu me guiei por isso e aproveitei para fazer uma síntese das informações que vinha reunindo nos últimos anos, com uma preocupação especial pela crise no mercado e na indústria brasileiros. O livro é, então, uma jornada que discute a crise do jornalismo e arrisca algumas saídas. Quanto aos resultados a que cheguei, julgar o próprio trabalho é sempre muito delicado, mas acredito que o livro oferece alguma contribuição para discutirmos o tema em nosso país e neste momento da crise.
P: No caso do Brasil, quais seriam as particularidades da crise do jornalismo?
A indústria brasileira tem particularidades, sim, e a estrutura de oligopólios no setor, um comportamento temerário do empresariado em inovar e a falta de unidade dos profissionais contribuem para uma configuração distinta. Mas é preciso ver o Brasil como o continente plural que é. Temos um jornalismo maior que muitos países europeus, um mercado consumidor de notícias invejável e capacidades técnicas e profissionais incríveis. Ao mesmo tempo, nosso jornalismo não é influente como o europeu, há imensos desertos de notícia – e o Observatório da Imprensa vem mostrando isso no
Atlas da Notícia! -, e muitas vezes, nosso jornalismo é provinciano, servil aos interesses comerciais mais imediatos, descompromissado com um projeto de país e extremamente paroquial.
Enfrentar a crise do jornalismo no Brasil não é apenas inventar formas de sustentá-lo economicamente. É também enfrentar esses contradições internas, é também refazer pactos com os públicos e assumir uma função de mediação social e de defesa de valores humanos, muitas vezes ignorados. Precisamos ao mesmo tempo refazer pactos com a audiência – atendendo suas expectativas informativas e oferecendo condições para uma melhor compreensão do nosso tempo -, mas também precisamos ser criativos para atrair recursos que financiem as nossas práticas. Isto é, o jornalismo precisa mostrar à sociedade que ainda é muito útil e imprescindível, e que ninguém faz o que ele costuma fazer. As redes sociais não informam as pessoas. Os grupos de WhatsApp aprofundam a desinformação. O jornalismo precisa voltar a perseguir suas vocações e demarcar claramente o que pode oferecer aos cidadãos, às sociedades.
P: Como em todo processo disruptivo, há um jornalismo que morre e outro potencial que nasce. É possível descrever, de forma breve, esse contexto?
Eu penso que esses ciclos não são perfeitos e bem definidos. Quer dizer, tem vida e morte a todo o momento. Os números têm mostrado quedas sucessivas de assinantes de TV a cabo e isso afeta os canais de notícia 24 horas, por exemplo, mas também os de jornalismo esportivo. Ao mesmo tempo, vemos o surgimento forte de produtos jornalísticos criativos, distintos e desafiadores. O Meio, por exemplo, é um produto que é uma newsletter diária. Não é um site ou portal, é uma carta de notícias que nos chega a cada manhã. O Nexo aposta no jornalismo de contexto e tenta nos explicar o cotidiano com menos pressa e mais alargamento de perspectiva. Aos fatos e Lupa se encarregam de fazer checagem de dados. The Intercept, Pública e A Ponteoferecem grandes reportagens, aprofundamento, crítica e monitoramento de quadrantes da sociedade civil. Isso sem contar as dezenas de iniciativas locais de meios que tentam se consolidar pelo Brasil afora. Ao mesmo tempo, temos meios de comunicação tradicional ressuscitando as newsletters e apostando em podcasts, por exemplo.
O YouTube, que poderia ser uma evolução da TV, ainda é um mistério para os jornalistas, mas há casos de figurões que apostam nessa vitrine, como é o caso do William Waack, do Fernando Morais e do Bob Fernandes, para ficar em poucos exemplos. O YouTube ainda é um terreno altamente dominado por criadores de conteúdo de entretenimento no Brasil, e nenhum jornalista nacional se aproxima do rebanho que tem um Whindersson Nunes, que não oferece notícias mas tem mais de 35 milhões de telespectadores. Não imagino que algum jornalista se aproxime desse alcance, mas observar as potencialidades desse canal para chegar ao público é importante. Bem como é vital rediscutirmos o papel que têm as redes sociais e as grandes plataformas que estão drenando não só recursos de publicidade do jornalismo, mas pior: estão devorando a atenção das pessoas, que passam mais tempo vendo banalidades do que se informando para tomar suas pequenas e grandes decisões diárias…
P: Uma das discussões que emergem com a crise do jornalismo é a importância da imprensa local como agente de cidadania. O que fazer para termos uma imprensa local mais forte no Brasil?
Eu me preocupo muito com o jornalismo local por uma razão muito simples: a crise do jornalismo acontece em meio a uma crise de confiança nas instituições. Isto é, a democracia está sendo questionada, o sistema de representação política está sendo questionado, a escola e a ciência estão sendo colocados contra a parede. É uma época muitíssimo complicada porque nossos sistemas de crenças parecem estar se dissolvendo diante de nossos olhos. Isso acontece no nível macro e no micro.
O jornalismo local tem uma grande importância no enfrentamento dessas crises porque ele nos permite criar contextos de diálogo e ação. Como a escala é menor, as medidas a tomar podem ter impactos mais concretos e visíveis. Imagine uma cidade de 20 mil habitantes que tem um jornal impresso diário, duas emissoras de rádio e um site local de informação. Ora, com uma configuração dessas, com profissionais cobrindo os problemas da cidade, acompanhando a rotina da prefeitura e do comércio local, e monitorando a Câmara de Vereadores e a segurança pública, teremos uma sociedade com mais potencial de enfrentar seus problemas próximos. Note que eu propus um cenário com muito pouca competição interna nos segmentos, mas que não é um monopólio. Um único jornal impresso e um único site. Duas pequenas emissoras de rádio. Mas cada um deles fazendo bem o seu trabalho, disputando atenção e anúncios, ou formas de financiamento do negócio. Isto é, meu exemplo se vale de um cenário de não-monopólio.
Se tivermos uma paisagem mais concentrada, corremos outros riscos, como a padronização da informação, a fabricação de consensos, o domínio hegemônico de um discurso e possíveis alinhamentos políticos que podem comprometer a emancipação do público. De qualquer forma, penso que parte das soluções para a crise do jornalismo passa pelo fortalecimento dos meios locais. E não basta que a gente apenas “curta” ou “compartilhe” o conteúdo desses meios. Precisamos assiná-los, fazer parte deles, ajudá-los a pagar suas contas. Se a pessoa gasta 30 reais com a Netflix, por que não pode ajudar a manter dois ou três meios locais que pedem 10 reais mensais?? Precisamos pensar sobre isso.
P: Qual a orientação que você daria para uma pessoa que pensa em abrir um jornal local hoje no Brasil?
Não tenho fórmula mágica, mas o que venho percebendo após anos de estudo, de pesquisa e de conversa com gente do ramo, da academia e do público, é que um meio local precisa ter no seu horizonte um conjunto de características que vai além da qualidade técnica. Oferecer produtos e serviços bons é um ponto de partida inegociável e, por isso, um meio local deve ser feito por profissionais capacitados. Jornalismo profissional tem a ver também com princípios editoriais claros e bem definidos, alinhados com compromissos comunitários. Quer dizer, um meio local precisa ser transparente com seu público e dizer que tipo de jornalismo quer fazer e faz. E esse jornalismo precisa contribuir para que aquela comunidade se desenvolva.
Isso tem a ver com fazer pactos com a audiência e os demais grupos de interesse, tem a ver com defender causas locais, com uma governança aberta e participativa, e com transparência. A meu ver, um meio local de informação não deve se preocupar em explorar comercialmente aquele território, mas trabalhar para que aquela comunidade evolua e se desenvolva de forma a permitir que aquele jornalismo subsista. Diálogo, senso de comunidade, bom humor e empatia também podem ser úteis. Acredito que possamos criar e manter meios de comunicação assim em diversas paisagens. Afinal, estamos dispostos a abrir mão do que o jornalismo nos proporciona? Eu penso que ainda não.
FONTE:
Por Equipe do Observatório da Imprensa